Quando mudei para minha primeira casa própria (isto era força de expressão, pois quando entrei nela devia umas trezentas prestações, logo ela não era minha, era do Sistema de Habitação), era um bairro novo, pouco povoado e de acesso meio precário. O itinerário complicado, parecia as estradas de Santos de tantas curvas. Ah! Sim! No caminho tinha hortas de verduras variadas, vacarias e um sem número de lojas de material de construção (acho que por conta da expansão da cidade que estava ocorrendo naquela direção). O meu quarteirão, que não era de um formato normal como qualquer outro, ele era um triangulo, logo eu tinha um vizinho nos fundos, um do lado esquerdo e uns quatro em uma das laterais. Não sei se deu para entender, mas era assim mesmo!
Havia em frente à minha casa o termino de uma avenida, só que ela ainda nem calçamento tinha e por conta disto, tinha que fazer uma volta de mais de seis quarteirões para ir sempre em cima do asfalto. Por falar em asfalto, a minha rua era apenas calçamentada, mas um ano e pouco depois, tanto minha rua, como a avenida em frente, colocaram rede de água e foram asfaltadas. Era o progresso chegando. Se bem que para ter este progresso sofremos um ano mais ou menos. Explico! Entre minha casa e a BR 116 (a rodovia que liga Fortaleza aos Estados do Sul), tinha um mangue e o governo resolveu fazer um conjunto habitacional lá. Com as drenagens e aterros, mexeu com todo o meio ambiente do local, provocando um exame de mosquitos, pernilongos, lacraias, escorpiões, cobras e tudo mais que rasteja ou voa. Foi um sufoco! Certa vez acordei com uma lacraia no meu quarto de uns quinze centímetros. Cobra matei muitas (meu jardim era enorme e era ponto focal para estes bichos). Mas a urbanização chegou de vez e as coisas foram melhorando.
Perpendicular à minha casa, já que em frente a ela era uma avenida e então tinha duas esquinas, uma havia uma borracharia, que depois foi dividida e virou um açougue e na outra havia um lote vago, que pouco depois começou uma obra. Era a construção de uma padaria. Logo no início o dono do futuro estabelecimento fez contato comigo (acho que para fazer uma ligação de telefone lá em casa, pois celular só existia naquela época em filmes e era do tamanho de uma caixa de um litro de leite). Era um cara simples, falava errado, mas bom caráter (mostrou isto deste de o começo).
Quando eu mudei para a casa citada acima, eu já tinha dois filhos e minha mulher estava grávida de outro. Passados uns meses ele nasceu. Como eu e minha mulher a gente trabalhava, tínhamos que ter obrigatoriamente empregada e para o bebé, uma enfermeira. Normalmente este tipo de profissionais, as enfermeiras ficam em torno de um ano com as crianças, mas a minha, só saiu de casa quando meu filho foi servir o exército. Mentira! Mas ficou uns três anos. Rotina de neném é fora da curva. Eles acordam o tempo todo e tem uns horários para tomar banho de sol e não sei mais o que. Só sei que quando eu saia de manhã ele estava a muito tempo na padaria no check out, brincando com as coisas do caixa. Naquela altura, a padaria já estava na segunda reforma. Novos balcões, frigoríficos, novos caixas, instalaram uma lanchonete, ia de vento em poupa.
Como na época eu fumava, quando eles acabavam, para mim era fácil pois só atravessava a rua e ia compra-los na padaria. E quase sempre encontrava com um médico oncologista que ia lá para tomar uma cervejinha e jogar conversa fora. Ele era conhecido entre seus colegas por “Malfeito”, não porque era feio (aliás ele era horroroso), mas o apelido ele pegou no tempo de estudante. O motivo do apelido ele ganhou no tempo dos jogos universitários que em determinado ano foi em Fortaleza. Com havia uma rixa entre o Ceará e os Pernambucanos e para estas pessoas, eles chamavam os gays de frangos. Pois bem, em um jogo de futebol de salão entre o Ceará e os Pernambucanos, final de campeonato, o ambiente já era pesado, quando iniciou o jogo. Foi aí que o “Malfeito” que não era ainda o personagem dono do apelido, chegou no estádio com vários balaios com frangos e soltou no campo. Devia ser mais de cinquenta penosas correndo pela quadra. Foi uma confusão danada, tanto pelos frangos, como motivado pela provocação. Era o encontro dos “frangos”, vamos assim dizer. O Ceará ganhou por W x O!
De volta a padaria, troquei umas palavras com quem estava por ali e virei para o “Malfeito” e disse: “Pô! Você por aqui! ” (sem qualquer segunda intenção). Foi quando ele respondeu: Não, eu só bebo dia sim, dia não! Pode perguntar para todo mundo. Pesquisa idiota. Ele é maior, bebe por conta dele e que eu tenho com isto? Só que eu descobri, por acaso que aquilo não era verdade. Um dia fui na padaria, mais uma vez comprar cigarros e lá estava faltando, pois tinha acabado o cigarro de minha marca. Fui em um botequim, a umas quadras de distância e lá estava ele, o dito médico, bebendo a velha “cerva” de sempre. Ou seja, na verdade ele bebia todo dia. Só que ele mudava era de bar dia sim, dia não! Genial! Coisa de gente malfeita!
Voltando ao dono da padaria, apesar de uma pessoa rude e como disse gente boa, ele uma vez demonstrou a sabedoria do empresário nato. Em um destes dias imprensados de feriados, já eram mais ou menos umas oito horas da noite e eles, na padaria, já tinham vendido tudo e mais alguma coisa. As prateleiras estavam literalmente vazias. Foi quando eu lhe disse: “Vá embora, cara! ” Você já vendeu o que tinha que vender! Foi quando ele me deu uma lição. Não, Roberto, eu tenho que ficar aberto até o horário que todo dia eu fico. O freguês tem que saber se vier aqui as tantas horas vai encontrar a padaria aberta. Se for em um dia como hoje, vou pedir desculpa por não ter o que ele procura (se for o caso) e ele vai embora sabendo que eu estou à disposição da clientela até o horário X. Bonito!
Para ver como ele era simples, lá no começo ele chamava outdoor de autidock. Não era prateleira, era partileira e por aí vai. Mas com o tempo ele foi sei endireitando, acho que com os filhos crescendo e mesmo com o convívio com as pessoas, ela aprendeu a falar direitinho. Mas lá, no começo ele me convidou para um aniversário no sítio do sogro dele. Bom foi ele dando o endereço: Você vai com tivesse indo para Cascavel, passando da entrada principal da cidade, você continua, aí vai ter uma baixada e logo em seguida uma subida e outra baixada. Assim que você chegar no fim dela, você vai ver um autidock à direita da estrada e logo em seguida dele tem uma estrada de terra, você vai em frente que vai dar na chacará. Estamos lhe esperando, lá. Imagina, no meio do sertão bravo, em uma piscina no jeito, carne assada de montão e cachaça da boa (e olha que eu não aprecio este tipo de bebida) e um solzão de matar, lógico que fiquei bebaço. Tive que voltar para casa de maca ou coisa parecida, que eu não me lembro de nada. Devo ter dado o maior vexame, mas faz parte do show.
Infelizmente esta história não tem um final feliz, pois o cara saudável, roliço, alegre (dizem que dizer que um gordo é alegre é pleonasmo), um dia o meu filho que ia todas as manhãs para o check out, que cresceu e virou médico, me falou um dia: “Pai, é bom você ir ver o Tio Ivan (era o nome dele)! Ele não dura muito mais não! Ele tinha contraído um câncer no pâncreas que o definhou em pouco tempo. Chegando no hospital e vendo ele no fundo de uma rede (coisa de cearense), esquálido, estava só a grade, sem ter o que dizer, lhe falei: “E aí, só na moleza, deitadão na rede, se balançando, isto que é vida! ” Me respondeu com um fio de voz: “Que nada! Queria estar é aí com você, flanando! Depois daquele dia, ele se foi! Pena, perdi um amigo conquistado ao longo de anos de vida, ele testemunhando a minha e eu a dele.
Bob Briand
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